14 dezembro 2010

Alvoroço no Galinheiro



Alvoroço no Galinheiro

Era um dia perfeito. Sol, brisa quente e suave, harmonia total no galinheiro.
O galo Querêncio imponente, fazendo valer o seu domínio, era mais do que admirado pela dupla dezena de galinhas que se esforçavam para mostrar a ele as suas crias amarelinhas, frutos do seu segundo de amor.
Era milho no almoço, milho na sobremesa, milho no lanche, no jantar e quirera para os menores e depois um golinho de água aqui e outro ali e Querêncio só olhando, avaliando, afiando o seu esporão e esperando.
E naquele final de tarde, entre uma ciscada e outra, uma tempestade se formou. De repente, vinda ninguém sabe de onde, uma jararaca se apresentou bem no meio do terreiro. Aquele olhar congelante, ávido por uma refeição.
Foi, vocês nem imaginam, um corre-corre danado. Era pena para tudo que era lado. As galinhas se debatendo
e tentando vôos desesperados, pintinhos correndo de uma lado para o outro, sendo que alguns coitadinhos nem sabiam direito o que acontecia. Só corriam também.
Uma gritaria infernal, tão grande que até parecia briga na feira ou quem sabe uma briga de galo.
O Querêncio preocupado, juntava forças, pois tinha que defender os seus domínios, a sua família.
A jararaca se divertia e já tinha até mirado a sua presa quando Querêncio estufou o peito, abriu suas asas, empinou sua crista e voou direto no meio da cara dela.
Fez-se um silêncio total, todos pararam para ver a embolação que se seguiu.
Teresa e Querêncio travavam uma batalha de vida ou morte. Querêncio era um valente, porém numa derrapada inesperada quebrou sua perna direita. Uma dor lancinante.
Bem que ele tentou continuar, mas ele sabia que seria fatal e sendo assim, usando suas asas fortes, afastou-se de Teresa para poder avaliar o que iria fazer.
Algumas galinhas se desesperaram. Uma delas, coitada,
engoliu seu próprio ovo. Não sei se pensou em defendê-lo e botá-lo depois de novo ou se tentou o suicídio. Isso ninguém nunca saberá, pois Felisberta morreu engasgada naquele mesmo minuto.
Enquanto isso, Teresa se recompunha do ataque, pois já estava ferida por Querêncio, mas não fora de combate.
Foi nessa hora que Dagoberto, um pinto encorpado, forte, já um Frango e que tinha assistido de perto a desgraça de Felisberta ao morrer engasgada com seu próprio ovo, teve uma idéia...
Se ele provocasse Teresa até que ela abrisse a sua bocarra peçonhenta, ele poderia, como um Kamikase, atirar-se dentro da garganta dela rápido o bastante para não ser picado pelas presas de Teresa e tentar sufocá-la com seu próprio corpo.
E assim fez Dagoberto, um Frango herói em seu dia de fúria. Bicho arrojado... filho mais velho de Querêncio. Ele mergulhou sem piar na garganta de Teresa. Cravou seu bico e suas garras afiadas nas suas entranhas e abriu suas asas com toda a sua força para não ser engolido.
Teresa ficou imóvel, não conseguia reação. Querêncio vendo aquilo superou sua dor e, encorajado pelo aparente sacrifício do filho, precipitou-se contra a jararaca. Ela, entalada e imobilizada, nada pode fazer. Nem esboçou reação.
Com seu bico guerreiro, Querêncio despedaçou Teresa enquanto seu esporão dilacerava aquela pele escamosa.
Teresa agonizava, sucumbindo ao ódio de quem defende os seus.
E Querêncio não parava, até que abriu de vez a barriga de Teresa e qual não foi sua surpresa... encontrou Dagoberto meio desfalecido, com as penas todas lambuzadas, tonto e já sem ar, mas...vivo!
Foi uma festa. Asas aplaudindo o novo Príncipe. Todos em reverência a Dagoberto, o Frango Herói, inclusive Querêncio que não cabia dentro de si de orgulho.
Josué Carvalho, o dono do sítio, preocupado com o alvoroço, apareceu correndo para ver o que tinha acontecido, e ao entender o ocorrido, também se sentiu orgulhoso de suas crias.

- Naquela noite, Felisberta foi servida assada com ovo e tudo no jantar para a família de Josué.
- Teresa, ou o que sobrou dela, foi enterrada com suas enzimas numa cova funda bem longe da porteira do sítio sem direito a lápide.
- Querêncio, após receber a condecoração de “O Galo do Ano” aposentou-se por invalidez permanente em virtude dos ferimentos que recebeu naquela tarde.
- Dagoberto foi eleito o novo Rei do Galinheiro e durante muitos e muitos anos contou essa história para os seus descendentes.
- Dagoberto faleceu cinco anos depois em virtude de uma fome abrupta da família Carvalho.
- Até hoje essa história é contada nos galinheiros da cidade de Macupira do Sul e região e acabou por se tornar uma lenda.
“A lenda de Dagoberto, O Frango-Rei Esperto!”

Moral da História : Mais vale ter na vida coragem e inteligência do que uma boa dose de veneno.


O lugar, os fatos, os personagens e seus nomes são absolutamente imaginários. Qualquer semelhança com pessoas, lugares ou animais reais é mera coincidência.

Renato Baptista
Copyright©Renato - DAAS-Julho/2008
Direitos Autorais Preservados pela Lei 9610/98

5 comentários:

Emilene Lopes disse...

Que conto mais interessante, rs

Adorei...

Bjs
Mila

Jorge Jansen disse...

Parece causo mineiro, sô!

Ingrid disse...

Gostei .. é isso aí! .. ;-)

Kássia Reis disse...

kkkk..genial! Especialmente, a advertência no final do texto..kkk... Gostei!

Adh2BS disse...

Prezado Renato.
Muito bacana o conto, em tom de folclore - no sentido de história que se eterniza, tipo lenda. Na prosa, o grande poeta se revelando de mão cheia. E a crônica sobre John Lennon? Precisa!
Grande abraço, um Feliz 2011, que os inconstantes poetas feito este que vos fala exerça maior participação na casa da poesia!
Adh