12 fevereiro 2011

Holografia


Holografia

Antes de anteontem pela manhã, depois de me contorcer para resgatar um dos pés dos meus chinelos, que insiste em dormir bem debaixo da minha cama, aliás, bem no meio dela, caprichadamente chutado noite após noite por alguém que não tem mais do que um metro e vinte de altura, caminhei meio que ainda sem rumo até o meu banheiro.
Após escovar meus dentes, sem deixar a tampa da pasta cair no ralinho da pia, lavei meu rosto, espalhafatosamente como de costume, lambuzando todo o espelho novamente.
Agora, já dois terços acordado, mirei tentando ver no espelho da verdade a minha matutina imagem virtual. Dependendo de quanto ele estivesse borrado, calcularia, ou o tamanho do trabalho que teria para secá-lo ou o porte da discussão que teria por não tê-lo feito.
As gotas, muitas, escorriam desgovernando minha visão, formando fios que cortavam meu rosto também molhado. Um caleidoscópio matinal me invadia e não me permitia nem me dar um bom dia.
Com a mente confusa, corri até a janela do quarto e a abri. Abri o espelho do mundo, o mundo real. Eu queria buscar minhas respostas.
A brisa entrou forte, encanada, preenchendo os espaços e cortando gelado o meu rosto ainda molhado.
Acordado e assustado, perguntei ao vento que ressecava meus olhos, qual era a diferença entre o real e o virtual. O vento sorriu soprando forte, despenteando-me ainda mais. Sorriu e gritou zunindo nos meus ouvidos : - Volte ao teu espelho, abra bem os teus olhos e contemple a tua imagem real... A que você sente. Diga o bom dia que faltou e saia pelo mundo virtual mostrando às pessoas que ele deve se tornar real de novo.
... Pena que não deu tempo de dizer ao vento que sou filho do mundo virtual, assim como você... E o espelho nesse meio tempo, quebrou-se.

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Renato Baptista

2 comentários:

Ingrid disse...

Renato,
por vezes nos vemos tão distorcidos pelo momento e temos que lutar por nós mesmos..
mas vamos em frente na alegria de viver que é nossa benção..
beijos.

Márcia Vilarinho disse...

Caramba! Será que a gente não consegue remendar o espelho...Lindo e bastante profundo. Abraços, amigo.