19 julho 2008

O Menino Eternamente Perto de Um Sonho.


O Menino Eternamente Perto de Um Sonho.

Era uma vez... Não, assim não... Soa como história de menino.
Eram meados do Ano da Graça de Mil Novecentos e Sessenta e Nove e eu acabara de completar Doze anos e sentia-me um Homem na sua plenitude, obediente aos conselhos de Pai e cumpridor das ordens de minha Mãe, ainda jovem.
Enquanto eu, o Homem, agitava meus brinquedos de menino, algo estranho estava se formando. Algo que em outras vidas veio a mim escondido e jurou eternidade e eu na minha inocência continuava brincando como Homem-Menino.
Numa noite daquelas, fui dormir, às nove horas como de costume, fechei meus olhos ávidos pelo amanhã e entrei no mundo dos sonhos.
Desta vez, eu não estava voando com capas coloridas e nem chutando bolas brancas contra muros descascados. Eu devia ter entrado no mundo dos homens.
A floresta densa me cercava e os artesãos esculpiam rostos nos troncos das árvores escuras e sem casca. Esculpiam olhos grandes que me olhavam, querendo me dizer que a hora chegara.
Pintores famosos com seus pincéis de pêlo de marta coloriam as copas com seus tons verde-escuro, preto e suaves manchas brancas.
Só o que eu ouvia eram os sons quebradiços das folhas secas que meus passos esmagavam enquanto a arte da vida me conduzia para a minha verdade.
Em um instante tudo se imobilizou. Na grande clareira anunciada, bem a minha frente, um enorme facho de luz intensamente branco e brilhante, vindo de cima, trouxe a imagem da minha vida para o mundo que eu conhecia.
Eu, o Homem-menino, não sabia entender que naquele momento o eterno se concretizava fechando mais um ciclo.
Minha vida mudaria a partir daquele instante, mas estava escrito que toda ela na sua essência deveria permanecer dentro do sonho que nasceu por mim.
Pude então ver os espíritos dançando de mãos dadas, felizes por terem cumprido novamente sua missão.
Na manhã seguinte, demorei a acordar e nem brinquei naquele dia. Eu não imaginava que o Homem-menino havia crescido.
O passado e o presente se fundiram com o futuro e a minha espera mais uma vez havia terminado. Pena que eu não tinha para quem contar esse sonho. Assim, com o tempo eu enquanto menino, o esqueci trocando-o por outros sonhos.
Se eu não tivesse levado tantos anos para lembra-lo, talvez hoje eu ainda fosse um feliz Homem-menino e teria meus brinquedos intactos perto de mim, assim como aquela luz brilhante a embalar meus sonhos por todas as noites até o fim da minha vida.



Renato Baptista


Direitos Reservados

Um comentário:

Aíla Sampaio disse...

Renato, que texto lindo, emocionante... lembrei-me imediatamente do soneto "Recordo ainda", do nosso amado Quintana:



Recordo ainda... e nada mais me importa...
Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta...

Mas veio um vento de Desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança...

Estrada afora após segui... Mas, aí,
Embora idade e senso eu aparente
Não vos iludais o velho que aqui vai:

Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino... acreditai!...
Que envelheceu, um dia, de repente!...

Abraço, Aíla